...barbearia...virou salão!!!...
... e porque estamos em Abril e o Povo, o nosso, continua no seu melhor, como sempre, digno e vertical, tal e qual, numa barbearia, num sítio qualquer!!!... só fazendo parte dele, convivendo com ele, sentindo-o, todos os dias, nos lugares mais diversos, sem ser mais, sem ser menos, tal e qual, mais um, entre tantos, anónimo e insignificante, parte de um todo que, quando junto, é gigante, tudo faz e desfaz, a seu jeito, como lhe apraz, porque é capaz ! se compreende, se entende, se satisfaz, como POVO, o nosso, que, quando quer, não é manso, nem brando, é justo, equilibrado e profundamente sabedor, mais do que qualquer doutor, dos do topo, os convencidos, pobres coitados!!!... fui ao barbeiro, cortar, nem sei o quê, alguns cabelos que teimam em me incomodar, quando crescidos, embora poucos e ralos porque, meus amigos, a idade não perdoa e já lá vão os tempos dos cortes modernos, p´rá época, cabelos fartos e em juba, tal como os leões, tal a fartura, domados com cremes, fazendo ondas, fazendo popas, com patarras fartas, caindo pelos ombros fantasias, tal como muitas, ilusões, próprias da pouca idade, de quando ainda olhava para a sombra e me convencia do que ( pensava eu!!!...) valia!!!...Sou conservador, quanto a hábitos de vida e, embora pertença ao número dos que fazem o seu corte de cabelo anual, devido a circunstâncias naturais, a escassez do dito, gosto de frequentar o sr. D , na sua barbearia, a de sempre!!!...Naquela casinha modesta, perdida no meio de muitos prédios, de vários andares, resistindo ao tempo, aguentando sempre, aqui às portas de Lisboa, zona dormitório da referida, como tantas, tenho o encontro periódico com o Mestre, ou com o filho, que me ajeitam a figura, quanto a moldura, claro, já gasta, de pouco brilho!!!... não fui muito sincero quanto ao facto de apelidar de barbearia o que, por transformações profundas, já não é!!!...Agora, por uma questão de actualização, de garantia de futuro para o rapaz, ainda novo e provável sucessor do Mestre, modificaram o seu interior e virou salão, com nome pomposo até, cabeleireiro de homens, pois então!!!...São os tempos e as reformas que se tomam, que se fazem, actualizações permanentes, gostos diferentes, são satisfação dos clientes, dos que se mantêm pela maneira simpática como somos servidos, pelo desenfado, pelo saber ouvir, paciência exacerbada de quem, pela idade e pelo contacto, é um artista, pela arte que pratica, pela arte de ouvir , bom conversador, sábio até!!!... o salão é actual, de linhas sóbrias, limpas, agradáveis, impecáveis, quanto a mim, quanto a todos, os que o frequentam, cadeiras novas, confortáveis, espelhos que são um espanto, cadeiras para os que aguardam a vez, com jornais diários e televisão, um pasmo!!!...No outro dia, como já disse, fui lá, cumprimentei e sentei-me, peguei no jornal e tentei ler as gordas, as garrafais, mas qual quê!!!...Não, não era da TV, tinha o som baixo, quase inaudível, era um senhor, já de idade, mais para os oitenta do que para os setenta, magro de corpo, cabelos brancos, mas fartos, fala-barato, português castiço, em pleno juízo, memória sagaz e matreira, uma história viva, uma enciclopédia no que, ao nosso País, respeitasse, antes e depois da revolução, especialmente agora, nesta bagunça desembocada, as políticas neo-liberais praticadas, as da irresponsabilidade, do desemprego, da insegurança, da fome que alastra, da falta de dinheiro, da nova geração, a mal habituada, da ladroagem que abunda, da falta de confiança, inclusive nas aldeias, na dele, onde, em tempos, as pessoas não se preocupavam com portas, nem com fechaduras e punham a chave num buraco da parede, dentro dum vaso qualquer, por baixo dum tapete ... sei lá!!!... o Mestre cortava-lhe o cabelo e ouvia, vezes por outras, dava-lhe uma dica, uma observação muito subtil e ele, o velhote sagaz e matreiro, insistia, papagueando suas razões, seus medos, suas certezas, suas confusões, suas conclusões!!!...Um filósofo da vida, mais um, dos muitos que não são aproveitados, dos que estão postos de lado, com conhecimentos acumulados ao longo da sua longa vida, português de gema, irrequieto, inquieto, crítico e mordaz, num salão de cabeleireiro, Moderno e vulgar, como outro qualquer, centro de sentires, confessionário de pessoas anónimas, de insignificantes, tanto agora, como dantes , onde fui, como faço periodicamente, ajeitar estes cabelos dispersos, já ralos e escassos, donde saio, cada vez que o faço, mais rico, satisfeito com as gentes do meu País, as verdadeiras, as autênticas, as que têm, na ponta da língua, os males que lhes assolam a alma, lhes magoam o coração!!!... grandes lições a vida nos dá, a cada momento, numa determinada altura, em qualquer lugar, aqui e ali, em todos os lados, basta ver, ouvir e pensar, registando, depois, falando ou escrevendo, emocionado, estes episódios, gratos e gratificantes!!!...Escusado será dizer que, a dada altura, entrei na conversa, fiz as minhas intervenções, curtas e precisas, concisas, mais com intenção de alimentar aquela fogueira de saberes, aquele armazém de experiências, de toda uma vida, de uma pessoa com certa idade, mais para os oitenta do que para os setenta!!!... só convivendo com eles, fazendo parte do mesmo, no dia-a-dia, se compreende, se aceita, se satisfaz, quando nos apraz, nos inunda de prazer, viver com esta grande gente a de sempre!!!...Não são brandos e mansos, como muitos pensam , sabem bem o que pretendem, têm tido azar com os políticos, desde há trinta anos para cá mas, quem sou eu???...Sherpas!!!...