... mestre Valente... o carpinteiro!!!...
… casa humilde de carpinteiro, dois pais, dois filhos, Mestre Valente,
vizinhos, boa gente...
emendo, pai e mãe, filhos varões, ali à mão, a tempo inteiro, caras endurecidas pela vida, sem sorrisos,
mãe recatada, encanecida,
sempre sozinha,
voz débil, feia de aspecto,
um mau projecto...
mulher sem ser, sendo,
contendo, temendo... marido cheio de sarilhos,
atarefado, complicado, artista consumado,
mui ocupado...
rodeado de serradura, maravalhas,
serras, martelos, pregos,
doutras tralhas...
de sossegos, trasfegos, na oficina que me seduzia,
lá, usei a plaina com alegria...
alisando pedaços de madeira, martelei, serrei,
cheirei odores de pinho, de choupo,
quando cachopo...
amigo dum dos filhos, continuador da arte, noutro sítio, noutra parte, há tempos que não o vejo,
ainda amigo, agora sobejo...
lembrança, recordação,
passagem duma ilusão diluída, pontinho escasso no recanto do pensamento,
quando lembro aquele tempo,
nos intervalos, Mestre Valente caçava coelhos, lebres, perdizes nos campos
ali perto...
algo concreto,
cumulo dos seus proventos, alimentos, além dos serviços relacionados com a madeira,
portas, janelas, tectos falsos,
socalcos,
móveis, fina e exótica cadeira, contornos mirabolantes,
mesas, tampos, estantes,
também fazia santos por encomenda do padre, recuperava os mais estragados,
habilidade que me seduzia...
quedava estático, observando, como no convento, freira ou frade
em contemplação,
maço de madeira, formão...
brocas, esquadros, puas e arcos, enchó, naquelas mãos tudo se transformava,
sentia dó, diminuía minha tão pouca valia,
não sabia como ele fazia,
passava horas, sentado, observando, aplainando, martelando, brincando,
vendo, admirando...
junto do filho, varão herdeiro da arte,
continuador, vivendo em qualquer parte,
quando me ponho, sonhador, recordando o carpinteiro,
sua mulher, sombra sem graça,
arrecadada, boa pessoa... tão apagada,
mãe adorada
os dois filhos meus amigos,
nunca mais vistos, não esquecidos!!!... Sherpas!!!...